José Jorge Leite Soares
Criança de hoje se diverte com o Play Station.
O Lobisten e o Krakken, personagens do Ben 10 Power Splash e o Darth Vader e o Skywalker, do Star Wars, fazem atualmente a alegria da garotada.
No meu tempo de criança, em Pinheiro, as brincadeiras eram outras. Se o tempo das chuvas chegava, umedecendo o solo arenoso, a pedida era o jogo de chucho. Cada um preparava com esmero sua ferramenta dobrando cuidadosamente uma das extremidades do vergalhão e amolava numa pedra a outra ponta, como se fosse uma agulha. E partíamos alternando as jogadas, espetando o chão e interligando os furos deixados na areia, na tentativa de bloquear a jogada do adversário. O jogo de Borroca era outro que atraía a meninada. Carregávamos sempre dentro de uma velha meia, amarrada na cintura, as bolinhas de vidro que eram disputadas ardorosamente no jogo. Quando a estiagem chegava dava-se início a temporada de empinar os papagaios. Para cada tempo, uma brincadeira diferente.
No entanto, nas cidades do interior, diversão de criança era de dia. À noite, com as ruas escuras e sem televisão, criança tinha, mesmo, era que ir dormir cedo.
Nas calçadas, os mais velhos atemorizavam a todos nós com suas histórias mal assombradas que carregamos conosco pelo resto de nossas vidas.
Nos campos e nos alagados de Pinheiro a Curacanga era temida por todos. Um fogo azul, avistado ao longe, deslizava feito pluma carregado pela brisa morna das noites de verão. Dito pelos mais velhos, era coisa do além. Diziam que quando uma mulher tem sete filhas, a última delas vira Curacanga. Sua cabeça sai do corpo e, à noite, assume a forma de uma bola de fogo que sai girando à toa pelos campos atemorizando a quem encontrar.
O Fogo-fátuo dá origem a muitas superstições populares. Os mais antigos amedrontavam as crianças dizendo tratar-se de espíritos malignos que perseguem os viajantes. Há quem os considere como presságios de morte ou desgraças.
Os cientistas (coitados deles, nunca viram uma Curacanga…) explicam o fenômeno do Fogo-fátuo como uma reação química espontânea, proveniente da queima do gás metano, gerado pela decomposição de substâncias orgânicas. É uma bola de fogo frio, de cor azulada, e intensidade fraca que se torna mais intensa, quanto mais escura for a noite.
Vizinho à minha casa morava um velho chamado Mariano Chagas. Seu filho tinha um nome estranho: Prodamor. Quando lhe perguntavam o porquê daquele nome, era respondia que o menino era o produto do amor de Mariano e Maria Amélia, sua mulher.
Tinha eu cerca de seis a sete anos, quando certo dia o velho Mariano Chagas amanheceu enforcado em sua própria casa. Muitos garantem que ele foi assassinado. Confesso que nós, seus vizinhos, não ouvimos nada de suspeito nessa noite fatídica.
A partir desse dia, durante as noites, eu não passava, nunca, em frente à velha casa dele. Dava volta inteira no quarteirão. Morria de medo! E se a Curacanga aparecesse lá do fundo do quintal?
Tempos atrás, passei por uma experiência terrível. Era tarde da noite. Noite de Lua Nova. Já não havia mais luz. Apenas as estrelas a iluminar o meu caminho em direção ao Porto de Doroteu. A escuridão era total e eu ia pegar uma canoa na beira do campo para me dirigir ao Bamburral onde meu pai tinha uma fazenda chamada Bom Jesus.
João Costa, canoeiro dos mais hábeis, carregou a canoa com os mantimentos e eu tomei lugar num banquinho estreito. Equilibrado em pé ao fundo canoa João Costa começou a empurrá-la com sua vara de Atiriba, enquanto eu permanecia sentado, imóvel, para não fazer água. Fiquei a contemplar os vagalumes que, tal qual Leds intermitentes, iluminavam o caminho aberto pela canoa entre as flores do Mururu. Ao longo da viagem as pragas (o mesmo que pernilongo) não me davam tréguas. De repente, lembrei-me das Curacangas. Comecei a ficar com medo.
Não conseguia domar o meu pensamento. E eis que de repente serpenteava bem a nossa frente uma enorme bola de fogo. João Costa, um negro forte, mas tão medroso quanto eu, desequilibrou-se quase alagando a canoa. Tentou mudar de direção e a Curacanga acompanhava a canoa para qual lado ela seguisse.
A Curacanga crescia aos meus olhos e flutuava sobre as águas, vindo em minha direção. Lembrei dos espíritos dos mortos e da cabeça da criança. Confesso que nunca senti tanto medo em minha vida. O fogo se aproximava e como um grande clarão, refletia sobre o espelho d´água fazendo-se parecer maior ainda. Suando de tanto medo debatia-me naquele reduzido espaço do banco da canoa na tentativa de me livrar daquela assombração. Um pavor!
De repente, um toque nos meus ombros me despertou. Era apenas um sonho. Na verdade um grande pesadelo.
Obrigado Bete, por ter me acordado a tempo.
José Jorge Leite Soares é membro da Academia Pinheirense de Letras, Artes e Ciencias.
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