Hospital Benedita Fernandes, um dos empregadores do médico José Usan Júnior - |
Divulgação Wanderley Preite Sobrinho Do UOL,
em São Paulo
À primeira vista, José Usan Júnior é uma
pessoa multitarefa. Sem descansar um único dia no mês, o médico com quatro
diferentes funções trabalhava 106 horas semanais em oito empregos distribuídos
por quatro cidades. Para o Tribunal de Justiça de São Paulo, no entanto, Usan
Júnior era um empregado fantasma que cometeu improbidade administrativa e
precisará pagar R$ 1,1 milhão aos cofres públicos.
A denúncia partiu do MP (Ministério Público)
em Araçatuba, São Paulo, que desconfiou do acúmulo de funções de alguns médicos
da região e pediu às prefeituras o cartão de ponto de alguns profissionais.
Recebeu uma lista de 60 médicos com emprego fantasma. Chamados à promotoria,
eles voltaram à legalidade ao devolverem parte dos salários que recebiam e
renunciarem a alguns vínculos empregatícios. Um desses médicos, no entanto,
preferiu resolver na Justiça.
De acordo com o desembargador Djalma Lofrano
Filho, "a Constituição Federal permite aos profissionais da saúde a
acumulação de apenas dois cargos, porém diretamente adstrita à existência de
compatibilidade de horários entre eles". O médico exercia pelo menos
quatro funções. Em Araçatuba, recebia "o valor médio" de R$ 9.800
para trabalhar por 20 horas semanais como ginecologista em duas UBS (Unidades
Básicas de Saúde) e dar plantão de 12 horas no Hospital da Mulher de sábado para
domingo. Na cidade vizinha de Guararapes, Usan Júnior foi contratado por R$
4.500 pela prefeitura como ginecologista e obstetra. Trabalhava quatro dias por
semana das 7h às 10h. Ainda assim, a mesma prefeitura o nomeou diretor de
assistência médica das unidades de saúde do município, onde ele precisaria
trabalhar 20 horas semanais "no período da manhã ou tarde". Em Bilac,
a 26,3 km de distância de Araçatuba, o médico era o chefe de uma equipe da
Saúde da Família. Precisava dar expediente de 7h55 de segunda a sexta em troca
de R$ 8.500. Ele ainda acumulava um emprego no Hospital Beneficente da mesma
cidade, uma unidade privada. Usan Júnior também atuava em outras duas clínicas
particulares: no Hospital Psiquiátrico Felício Lucchini, em Birigui, e, a 21 km
dali, no Hospital Benedita Fernandes, em Araçatuba.
Como muitos horários coincidiam, o MP
calculou em R$ 404.255,90 o valor que o médico teria recebido indevidamente e
que precisaria devolver aos cofres públicos. Desse montante, R$ 372,9 mil se
referiam à soma de 4.066 horas acumuladas entre as prefeituras de Araçatuba e
Guararapes e R$ 31,3 mil sobre as 341 horas entre Araçatuba e Bilac. A defesa
do médico, no entanto, pediu que uma perícia refizesse os cálculos. Os
especialistas acabaram calculando um rombo maior, de R$ 589.320,71. O Tribunal
de Justiça de São Paulo determinou que Usan Júnior deveria restituir esse valor
e pagar uma multa de igual valor, totalizando R$ 1.178.641,42. A Justiça também
decidiu pela "perda das públicas exercidas pelo réu, exceto a do município
de Araçatuba" e pela "suspensão dos direitos políticos pelo prazo de
oito anos", o que lhe impede de votar e de receber votos em uma hipotética
candidatura a um cargo público.
Usan Júnior ainda vai decidir se recorre da decisão
aos tribunais superiores. Processo no Conselho Regional em sigilo De acordo com
o Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo), o médico
responde a um processo ético-profissional na entidade "mantido em
sigilo". Após todas as etapas processuais, ele irá a julgamento.
"Se
comprovada culpabilidade, o médico receberá uma das cinco penas disciplinares
aplicáveis, previstas em lei", diz o órgão em nota. São elas: Advertência
confidencial em aviso reservado; Censura confidencial em aviso reservado;
Censura pública em publicação oficial; Suspensão do exercício profissional por
até 30 dias; Cassação do exercício profissional, que precisa ser referendada
pelo Conselho Federal de Medicina, que é também o órgão máximo de recurso para
solicitação de revisão das penas aplicadas pelo Conselho Regional.
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