Ed Wilson Araújo
Ela atende pelo nome de “Magnólia”; ele,
“François”. Há cerca de um ano, pilotando um automóvel surrado da marca
“subaru”, branco, o casal percorre comunidades quilombolas do município de
Bacuri, no Litoral Ocidental do Maranhão.
A pretexto de realizar pesquisas arqueológicas e
criar um museu na região, eles se aproximaram das lideranças e moradores,
especialmente crianças, até conquistar a confiança e adentrar em áreas onde
estão localizados objetos e artefatos de interesse histórico vinculados ao
período colonial e da escravidão.
Segundo os moradores, a dupla utiliza
equipamentos sofisticados, entre eles drone e um
detector de metais para fazer a varredura e identificar objetos metálicos. A
mais recente intervenção ocorreu no sítio histórico localizado na área
pertencente a Antônio Pereira da Silva, contígua à comunidade quilombola São
Félix.
Registro de 2018 mostra o sítio histórico preservado antes das escavações. Foto Klísssia Ferreira |
O local foi totalmente alterado após as escavações. Foto Marizélia Ribeiro |
Nesta localidade, de acordo com relatos de vários moradores, registros em fotografias e vídeos, o casal devastou a cobertura vegetal nativa, fez escavações e perfurações no solo e retirou grandes estruturas metálicas assemelhadas a encanações, esferas de ferro fundido parecidas com munição de canhão, vigas com características de lanças e arcos, pedras espessas quadradas e retangulares similares a piso ou assoalho para residência, lascas de madeira, restos de material cerâmico e pedregoso, além de amostras de solo.
Moradores de São Félix acompanharam a inspeção após as esvcavações. Foto: Marizélia Ribeiro i |
No entorno da área saqueada existem vestígios do baldrame do que seria a antiga “casa grande” de uma fazenda pertencente ao português Antônio Bittencourt, cuja memória passada pelas gerações lembra um escravocrata cruel que aplicava castigos violentos nos negros.
A casa da Rua
Murici
A presença de Magnólia e François nas áreas
quilombolas é fartamente comentada entre os moradores e várias fontes
consultadas pela reportagem convergem para a mesma narrativa: os materiais
retirados de São Felix foram transportados para uma casa na periferia do
povoado Portugal, na rua Murici.
A moradia de alvenaria, na via sem asfalto nem
saneamento básico, onde predominam casas de taipa, passou por várias
benfeitorias, principalmente a colocação de grades de ferro em todas as
janelas.
Casa de tijolo na rua Murici, onde estariam guardados os objetos retirados das comunidades São Feliz e Mutaca . Foto: Marízia Ribeiro |
Nesta rua, sábado (3 de fevereiro), a vizinhança observou uma grande movimentação de Magnólia e François retirando vários objetos da casa, prontamente armazenados no velho subaru branco, logo batendo em retirada. Ele estaria de viagem marcada para a França e ela ficaria no Maranhão para novas escavações.
A reportagem passou dois dias na zona rural e na
sede do município de Bacuri tentando obter o telefone do casal Magnólia e
François, mas nenhuma pessoa disse ter conhecimento do número.
Conheça o perfil da dupla no final da reportagem.
Certificação e
pirataria
Em 19 de dezembro de 2018, São Félix recebeu a
certificação de área remanescente de quilombo, expedido pela Fundação Cultural
Palmares, após o minucioso trabalho de levantamento de dados, memória oral e
registro fotográfico da historiadora Klíssia Jéssica Fonseca Ferreira, titular
da Coordenação de Igualdade Racial, vinculada à Secretaria de Assistência
Social da Prefeitura de Bacuri.
O levantamento de 2018 elaborado por Klíssia
Ferreira para ser encaminhado à Fundação Palmares permite comparar as imagens
atuais (3 de fevereiro de 2019) e perceber o grau de devastação feito pelo
casal franco-brasileiro em São Félix: o que parecia ser um sítio arqueológico
foi transformado em uma espécie de garimpo. Os escavadores chegaram a colocar
lonas plásticas, cobertas com terra, para proteger algo de relevante que ainda
seria explorado.
No povoado Mutaca, ainda não reconhecida como área
remanescente de quilombo, o casal retirou, sem autorização, duas estruturas de
ferro que estavam guardadas na residência da família de João dos Santos
Oliveira. “Quando meu pai se entendeu por gente tinha esses ferros lá. Ele
plantou um pé de laranja no meio da roda de ferro. A laranjeira deu muito
fruto, depois morreu e a roda continuou lá. Aí chegou esse casal e levou tudo
de lá da nossa tapera. Estou muito injuriado com isso”, desabafou João
Oliveira, nascido e criado em Mutaca e proprietário de uma roça na localidade.
João Oliveira fez a denúncia da retirada dos dois
objetos de ferro junto ao promotor da Comarca de Bacuri, Denis Lima Rego. O
morador de São Felix, João Evangelista da Silva, também registrou ocorrência no
Ministério Público (MP) local.
Ação Cautelar do MP
Segundo o promotor, o MP colheu as informações
preliminares e vai formalizar uma Ação Cautelar no Judiciário, com pedido de
urgência, visando obter do juiz o procedimento de busca e apreensão na residência
da rua Murici, onde, segundo as informações, estariam depositados os objetos e
materiais retirados das comunidades quilombolas. O objetivo da busca, dentro da
competência do promotor, é apurar a denúncia de furto dos objetos de ferro que
estavam na residência da família do lavrador João dos Santos Oliveira, em
Mutaca.
A entrada de Magnólia e François nos sítios
históricos não teve autorização dos quilombolas nem da Prefeitura de Bacuri. A
coordenadora de Igualdade Racial, Klícia Ferreira, só tomou conhecimento da
retirada dos objetos quando o estrago já estava feito. “Fiquei muito indignada
com a devastação em São Felix porque esses materiais retirados de lá e todos os
equipamentos que têm algum vínculo com o período da escravidão servem de prova nos
meus relatórios para, juntamente com outros documentos e procedimentos
técnicos, obter a certificação de área remanescente de quilombo na Fundação
Cultural Palmares”, registrou.
Se houver a remoção de objetos e equipamentos em
outras comunidades todo o trabalho inicial do levantamento histórico que pode
levar a Fundação Cultural Palmares a fazer certificação fica inviabilizado.
O secretário de Igualdade Racial do Governo do
Maranhão, Gerson Pinheiro, afirmou que todas as medidas serão tomadas para
preservar os direitos das comunidades remanescentes de quilombos. Em São Felix,
Magnólia informou que iria fazer pesquisa arqueológica e fez circular em todas
as comunidades que o objetivo do casal era criar um museu para “fazer o bem”
aos quilombolas. Mas, o tom cordial era raro no trato com os moradores e
chegava à rispidez em algumas ocasiões. Uma das pessoas que chegou a colaborar
nas escavações e viu de perto todos os procedimentos para a retirada dos
objetos passou a ser hostilizado quando tentou registrar o trabalho com
imagens. “Magnólia ‘embrabou’ comigo quando eu comecei a tirar fotos e fazer a
filmagem utilizando meu aparelho celular”, relatou Edson Marques Ferreira.
O proprietário da fazenda São Felix, Antonio
Pereira da Silva, disse que no seu contato com Magnólia ela mencionou o
interesse em pesquisa, mas em nenhum momento ele concedeu autorização para
fazer escavações, enfatizando o valor histórico e o patrimônio imaterial
contido nas comunidades quilombolas. “O que está acontecendo é uma nova
modalidade de pirataria”, comparou.
Segundo relatos dos moradores, Magnólia e François
também tentaram retirar material do sítio histórico denominado Bitíua, mas
foram impedidos pelas lideranças locais. Este povoado foi certificado desde
2008 pela Fundação Cultural Palmares como área remanescente de quilombo. Em
Bitíua ainda é possível visualizar as ruínas de paredões que indicam a
existência de construções antigas, além de rodas com cravos de engrenagem
similares aos equipamentos utilizados nos engenhos de cana de açúcar.
Bacuri tem 14 comunidades com características
quilombolas. Desse total, seis já foram certificadas pela Fundação Palmares: no
período de 2008 a 2016 garantiram reconhecimento as localidades Bitíua, Vila
Nova e Barreira. Em 2017 e 2018 foram encaminhados e aceitos os pedidos de
certificação para Santa Rosa, Batepé e São Felix.
Klícia Ferreira já iniciou os contatos para
levantar as informações e organizar a documentação visando certificar as
localidades: Águas Belas, Estrada Nova, Matinha, Mutaca, Jurupiranga, Ponta
Seca, Estiva de Gado e Campinho.
O secretário adjunto de Infraestrutura de Bacuri,
Aldeir Cardoso, frisou que as áreas quilombolas não podem ser expropriadas
porque as escavações criam condições desfavoráveis aos moradores, correndo o
risco até de reverter certificações já concedidas pela Fundação Palmares.
O pioneiro e a
guardiã
O casal franco-brasileiro revelou aos
quilombolas apenas seu vínculo com uma organização denominada Homme Nature, identificada como “Centro de
pesquisa, desenvolvimento e realização de multimídia”, com
registro neste site. Na identificação dos fundadores estão
François-Xavier Pelletier, classificado como “pioneiro de vários mundos,
naturalista, etnólogo, escritor, fotógrafo e diretor.” Segundo a descrição da
plataforma, ele “dedica sua vida a estudar, fotografar e filmar pessoas que
vivem em simbiose com a Natureza e especialmente com as pessoas da água e da
floresta”.
No seu perfil do site, Magnólia de Oliveira é a
“guardiã da verdadeira natureza amazônica, dos pais
“Castanheiros”, especialista em ecologia amazônica.” Sua atuação é voltada
para lutar sempre visando divulgar e preservar essa floresta que a viu
nascer e ser educada.
Confira os perfis de Magnólia e
François aqui
Eu li que no dia 5 de fevereiro você comunicou contra nós as falsas acusações de um certo blogueiro muito duvidoso, Ed Wilson Araujo, que é cúmplice de uma máfia que explora as comunidades Quilombos e que procurou nos eliminar da região. Veja o nosso blog que dá todos os detalhes sobre esse caso.
ResponderExcluirhttps://memoriasdesenraizadas.blogspot.com/
A nosso pedido, a Polícia Federal está sob investigação, que promete revelar muitas irregularidades e corrupções nesse estado do Maranhão, que sofreu durante décadas de uma forma de escravidão moderna.