Com Lavínia Helena Macedo Coelho - Juíza Titular do JECC da Comarca de Pinheiro/MA
Depois de muito ouvir, é chegado o tempo de desabafar, contrariando característica minha e atributo de quase todo juiz, o recato.
Há apenas dois meses fui titularizada no Juizado Especial de Pinheiro, e, já na madrugada do dia 07 de fevereiro tive que participar, na condição de coadjuvante, do episódio mais triste da minha breve carreira jurídica.
Fui acordada, por volta das duas horas da manhã, pelo Secretário Judicial, informando que me aguardavam na Delegacia Regional de Pinheiro, ante a exigência, por parte de presos rebelados, da presença física de um juiz ou promotor, para dar basta em mais uma carnificina.
Como magistrada, não tive escolha, embora advertida que a minha integridade física não poderia ser assegurada. Abro um parêntese para dizer que a integridade psicológica, naquela situação, não tinha quem assegurasse.
Embora receosa, estive lá na madrugada, tendo, nesse tempo, perdurado um silêncio profundo, o silêncio dos vivos e dos mortos. Ressalto minha frustração, pois não fui de utilidade alguma, haja vista que todas as seis mortes já tinham acontecido. Primeiro mataram, depois reivindicaram. As minhas duas solicitações (aqui silencio por dever do ofício), apesar do esforço desmedido da exímia Delegada Regional, mulher de coragem inigualável, não puderam ser atendidas.
Daí por diante, tudo aconteceu como nos filmes de ação, até quanto à busca de um culpado. E por que não ele? O “lento”, “vagoroso”, “ineficiente” e “cadenciado” Poder Judiciário.
Muito foi divulgado. Poucos, de fato, se comprometeram com a verdade dos acontecimentos. Após conferir a situação de cada preso da Comarca de Pinheiro, me certifiquei que papel aceita tudo e boca fala o que quer.
Entretanto, o adágio popular “a verdade tarda, mas não falha”, aqui também se confirmou. E agora, por amor à Justiça, sinto-me na obrigação de compartilhar com os colegas juízes e com a sociedade o que de fato aconteceu.
Nenhum dos presos da Comarca de Pinheiro, morto na rebelião, era autor de furto simples, ao revés, todos eram portadores de uma longa ficha criminal. Contudo, tal fato é insignificante, pois sob a tutela do Estado não deveria morrer nenhum preso, independente da conduta criminosa. É chegada a hora de extirpar essa “lei da cadeia”, propagada entre os enclausurados e aceita por parcela da sociedade.
Além de compartilhar os fatos, aqui também me disponho a repartir as lições que podem ser colhidas desse infeliz episódio. Pois bem. Chegando na Delegacia Regional de Pinheiro, a comissão enviada pelo Conselho Nacional de Justiça procurou por um condenado por furto simples, como propagado, mas não encontrou nenhum. Perguntou aos presos se eles conheciam os magistrados das Varas Criminais, tendo eles respondido que os Doutores Anderson Sobral e Júlio Prazeres sempre ali se faziam presentes, acompanhados pelas não menos atuantes representantes do Ministério Público local.
Entretanto, para os advogados militantes na Comarca de Pinheiro, apenas isso não bastou. Quiseram mais, uma reunião com a referida comissão. E foi aí que me surpreendi. Disseram eles, acompanhados pelo Presidente da Seccional de Pinheiro, na frente de membro do Tribunal de Justiça do Maranhão, do Ministério Público Estadual e do Governo do Estado do Maranhão, que o “Poder Judiciário” era inocente. “Que se existia algum culpado, não era o Poder Judiciário local”.
Transcenderam, elogiando a atuação recente do Poder Judiciário de Pinheiro, especificamente a dos colegas Dr. Anderson Sobral e Dr. Júlio Prazeres. Foram categóricos em afirmar que jamais se acovardariam, caso necessário fosse, em tecer críticas ao Poder Judiciário local, como durante muitos anos fizeram, inclusive distribuindo panfletos nos corredores do Tribunal de Justiça. Disseram mais, que de Comarca mais problemática do Maranhão, Pinheiro passou a ser exemplo. Que desde a chegada daqueles dois juízes não sabiam o que era um pedido de relaxamento de prisão por excesso de prazo.
Aquela reunião pode até não render fruto algum, coisa que não acredito e desejo, mas as palavras do advogado Dr. João José da Silva - único que teve a coragem de me acompanhar naquele inferno enquanto não havia grupo especializado - em referência aos meus colegas de profissão, jamais se perderão no vento, pois para sempre ficarão registradas na minha memória.
A Justiça com o Poder Judiciário, no meu sentir, foi feita em tempo recorde. Basta agora aguardar para que ela também seja feita em favor dos cidadãos enclausurados, pois só assim podemos tranquilizar e garantir a paz pública tão almejada pela sociedade civil. Chega de procurar culpados, vender folhetins, elevar audiência de canais televisivos e angariar votos à custa de cabeças de presos! Que o Estado e a Sociedade Civil se unam e busquem uma solução para o problema da superlotação carcerária. Termino apenas com uma certeza, o Poder Judiciário de todo o Maranhão continuará pronto para exercer sua nobre função: julgar.
Blog de Felipe Klamt
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